8 de agosto de 2013

A CRISE É DE DESENHO

Mapa das estações e linhas de transporte público 
Regional Noroeste, Belo Horizonte
Fonte: Google Maps
 
Os protestos que varreram o país na segunda metade de junho levantaram causas das mais diversas.  Do Passe Livre ao Fora FIFA, eram muitos os ensejos, uns relevantes como saúde e educação (ainda que tratadas de forma difusa), outros bem menos importantes e alguns até bastante anti-democráticos. Foi difícil entender do que se tratava exceto por uma questão fundamental que perpassa todos os protestos e mexe com o cerne da nossa profissão: a desigualdade no uso e no acesso ao espaço da cidade.
 
Enquanto o Brasil obteve na última década um sucesso significativo na diminuição das desigualdades de renda e de acesso ao consumo, uma outra desigualdade: a espacial, seguiu aumentando. As cidades brasileiras de 2013 são espacialmente mais desiguais que as cidades de 2003, em breve teremos análise de micro-dados mostrando o resultado da bolha imobiliária de 2007-2012.
 
O mesmo modelo econômico que aumentou a renda dos mais pobres e aqueceu o consumo, levando o Brasil ao posto atual de sexta economia mundial, deixou sequelas graves no espaço da cidade.   A hegemonia do automóvel como solução de transporte e o espraiamento das cidades em busca de terra barata criaram uma cidade mais desigual, na contra-mão da redução de injustiças históricas que pautavam tantas outras iniciativas bem sucedidas.
 
Uma melhoria de verdade no transporte público, seja na redução significativa dos custos ou na melhoria da qualidade, teria um efeito transformador na estrutura urbana porque mexeria com o valor da terra e com o acesso a oportunidades. Com transporte bom e barato a periferia se valoriza instantaneamente. Isto equivale a uma transferência de renda revolucionária e um impacto ainda maior na qualidade de vida de milhões de brasileiros. Vale notar que a única forma de aumentar a velocidade média das nossas congestionadas vias é com investimento em transporte público. Como alguém disse recentemente, alargar as ruas para resolver o problema do trânsito equivale a afrouxar o cinto para resolver o problema da obesidade.
  
Os protestos de junho passado trouxeram a questão urbana para o cerne do debate nacional. Por mais que atores políticos de todos os espectros e ideologias tenham tentado canalizar o movimento para seus interesses próprios (com maior ou menor grau de sucesso), a briga é iminentemente por uma cidade melhor. E se o grito foi pautado pela questão urbana, a solução também é iminentemente arquitetônico-urbanística. Nossa profissão tem uma habilidade ímpar: a capacidade de antever e testar propostas de futuro usando ferramentas de visualização e cálculo. Em resumo, uma resposta significativa para a crise política atual passa pelo projeto. Em termos políticos um projeto de sociedade. Que nação queremos ter em 2050 agora que quebramos muitas das amarras históricas que tantos obstáculos criaram ao longo do século 20. E junto com a política mas não dependendo dela cabe propor a cidade que queremos para as próximas décadas. 
 
Temos uma riquíssima experiência da arquitetura moderna que foi capaz de mudar radicalmente (e para melhor) a imagem do país. Mais recentemente temos a riquíssima experiência de investimento em vilas e favelas, superando aos poucos uma lacuna terrível deixada pela nossa modernidade conservadora.  E temos, acima de tudo, a capacidade de desenhar instituições melhores que deverão prover as cidades de espaços, públicos e privados, melhores. Um desenho institucional que privilegie o concurso público de projetos sempre que possível, que estimule a contratação de projetos bem detalhados (excelente arma contra a corrupção nas obras públicas) e que use a arquitetura e o urbanismo como protagonistas desta transformação que os protestos de junho trouxeram para a pauta nacional.
 
No primeiro semestre deste ano entrevistei 28 arquitetos de todas as Américas perguntando sobre os modelos de contratação de espaço público. Ficou claro que a qualidade da cidade é função direta de um desenho institucional que prime pela qualidade do projeto tanto quanto pela lisura das contas públicas, e este resultado foi apresentado no dia 6 de agosto, em palestra promovida pelo GEMARQ.
 
O caminho para uma governança mais transparente passa pela qualidade do projeto, da execução e da manutenção da infraestrutura pública. As ruas estão gritando por um urbanismo melhor e cabe a nós, arquitetos e urbanistas, enfrentar o difícil mas necessário e urgente desafio de propor tal cidade.
 
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Fernando Luiz Lara é arquiteto pela UFMG e PhD pela Universidade de Michigan e professor associado da Universidade do Texas em Austin onde coordena o grupo LAMA de pesquisa em arquitetura e urbanismo latino-americanos. Desde 2012 Fernando Lara é diretor do Centro de Estudos Brasileiros do Lozano Long Institute of Latin American Studies, o maior dos EUA com mais de 50 professores afiliados.

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